quarta-feira, julho 15, 2009

Fermata

A porta abre-se devagar. Contrariada. Rangendo.

- Você 'tá perdendo a festa.
- Você também...
- Está fazendo o que aqui sozinho no escuro?
- Sei lá. Devo estar escondido.

A porta fecha-se aliviada, apagando o pouco de luz que lançava sobre os olhos vermelhos no canto do cômodo.

- Bem... Te achei.

Os dedos. O cigarro. Os lábios. A mente. Olha para cima jogando a nuca contra a parede e a fumaça contra o teto. Lentamente. Não responde nada.

A voz cruza a sala, acende um abajur e senta-se no chão junto à parede oposta. Os olhos vermelhos miram os sem cor recém chegados.

- Toma. Um pouco de ar fresco. - Ergue o cigarro com os dedos oferecendo-o.
- Não. Hoje não.

Os dois sorriem sem tanta graça assim.

- Está se escondendo de que?
- Por que é que a gente faz isso?
- A festa?
- O barulho. Tem tanto barulho lá fora que...
- Deve ser pra se esconder também. Se a gente se esconde sem fechar uma porta, ninguém nota.

A mão do rapaz tira devagar o cigarro da boca enquanto a da moça prende atrás da orelha o cabelo que caia na testa. Dois pares de olhos se voltam para o chão.

- Talvez funcione.
- Quem era no Telefone? Quando você entrou...
- Uma ligação errada. Alguém querendo pizza de presunto. Ou coisa assim.
- Ah...
- Eu disse que entregava em meia hora.

Dois novos sorrisos. Sarcásticos. Cúmplices.

Os olhos vermelhos tiram do bolso da calça uma folha amassada de papel e jogam contra os outros, que lêem devagar.

- Fazia tanto tempo.
- Fazia, sim.
- Então, qual o plano?
- Não sei ainda. O que você faria no meu lugar? Na minha pele? Se essa pele... se esse estômago... o que?
- Não sei... mas às vezes é tão fácil te ler, sabia?
- Não quero ficar aqui de porta fechada p'ra sempre. Nem fazendo barulho.
- Eu gostava do jeito que era antes.
- Eu também. - e a segunda frase vem numa nuvem de fumaça. Dos olhos, não do cigarro. - Eu também.

Dedos suaves começam a dobrar o bilhete entre lâminas de unhas. Alguém tropeça no corredor. A música continua do lado de fora.

- Você sempre soube fazer essas coisas...
- Vem comigo?
- Dessa vez não.

A brasa na ponta do cigarro faz arabescos no ar enquanto os olhos vermelhos procuram palavras certas. Ou fôlego. Mas não dizem nada. O outro par de olhos começa inutilmente a ganhar alguma cor. A sala ainda está escura demais.

- Que horas são?
- Três. Talvez quatro.
- Volta aqui antes do sol nascer, tá?

O vestido longo ergue-se e flutua até a porta. Antes dos rangidos, joga de volta a pequena folha amarela - Agora, um pequeno barco de papel.