Quando cortares o dedo na borda de uma folha de papel
olha com bastante atenção
vê que, entre uma linha e outra,
por trás do branco de susto da folha,
certamente há um poema de amor.
sábado, outubro 24, 2009
quarta-feira, julho 15, 2009
Fermata
A porta abre-se devagar. Contrariada. Rangendo.
- Você 'tá perdendo a festa.
- Você também...
- Está fazendo o que aqui sozinho no escuro?
- Sei lá. Devo estar escondido.
A porta fecha-se aliviada, apagando o pouco de luz que lançava sobre os olhos vermelhos no canto do cômodo.
- Bem... Te achei.
Os dedos. O cigarro. Os lábios. A mente. Olha para cima jogando a nuca contra a parede e a fumaça contra o teto. Lentamente. Não responde nada.
A voz cruza a sala, acende um abajur e senta-se no chão junto à parede oposta. Os olhos vermelhos miram os sem cor recém chegados.
- Toma. Um pouco de ar fresco. - Ergue o cigarro com os dedos oferecendo-o.
- Não. Hoje não.
Os dois sorriem sem tanta graça assim.
- Está se escondendo de que?
- Por que é que a gente faz isso?
- A festa?
- O barulho. Tem tanto barulho lá fora que...
- Deve ser pra se esconder também. Se a gente se esconde sem fechar uma porta, ninguém nota.
A mão do rapaz tira devagar o cigarro da boca enquanto a da moça prende atrás da orelha o cabelo que caia na testa. Dois pares de olhos se voltam para o chão.
- Talvez funcione.
- Quem era no Telefone? Quando você entrou...
- Uma ligação errada. Alguém querendo pizza de presunto. Ou coisa assim.
- Ah...
- Eu disse que entregava em meia hora.
Dois novos sorrisos. Sarcásticos. Cúmplices.
Os olhos vermelhos tiram do bolso da calça uma folha amassada de papel e jogam contra os outros, que lêem devagar.
- Fazia tanto tempo.
- Fazia, sim.
- Então, qual o plano?
- Não sei ainda. O que você faria no meu lugar? Na minha pele? Se essa pele... se esse estômago... o que?
- Não sei... mas às vezes é tão fácil te ler, sabia?
- Não quero ficar aqui de porta fechada p'ra sempre. Nem fazendo barulho.
- Eu gostava do jeito que era antes.
- Eu também. - e a segunda frase vem numa nuvem de fumaça. Dos olhos, não do cigarro. - Eu também.
Dedos suaves começam a dobrar o bilhete entre lâminas de unhas. Alguém tropeça no corredor. A música continua do lado de fora.
- Você sempre soube fazer essas coisas...
- Vem comigo?
- Dessa vez não.
A brasa na ponta do cigarro faz arabescos no ar enquanto os olhos vermelhos procuram palavras certas. Ou fôlego. Mas não dizem nada. O outro par de olhos começa inutilmente a ganhar alguma cor. A sala ainda está escura demais.
- Que horas são?
- Três. Talvez quatro.
- Volta aqui antes do sol nascer, tá?
O vestido longo ergue-se e flutua até a porta. Antes dos rangidos, joga de volta a pequena folha amarela - Agora, um pequeno barco de papel.
- Você 'tá perdendo a festa.
- Você também...
- Está fazendo o que aqui sozinho no escuro?
- Sei lá. Devo estar escondido.
A porta fecha-se aliviada, apagando o pouco de luz que lançava sobre os olhos vermelhos no canto do cômodo.
- Bem... Te achei.
Os dedos. O cigarro. Os lábios. A mente. Olha para cima jogando a nuca contra a parede e a fumaça contra o teto. Lentamente. Não responde nada.
A voz cruza a sala, acende um abajur e senta-se no chão junto à parede oposta. Os olhos vermelhos miram os sem cor recém chegados.
- Toma. Um pouco de ar fresco. - Ergue o cigarro com os dedos oferecendo-o.
- Não. Hoje não.
Os dois sorriem sem tanta graça assim.
- Está se escondendo de que?
- Por que é que a gente faz isso?
- A festa?
- O barulho. Tem tanto barulho lá fora que...
- Deve ser pra se esconder também. Se a gente se esconde sem fechar uma porta, ninguém nota.
A mão do rapaz tira devagar o cigarro da boca enquanto a da moça prende atrás da orelha o cabelo que caia na testa. Dois pares de olhos se voltam para o chão.
- Talvez funcione.
- Quem era no Telefone? Quando você entrou...
- Uma ligação errada. Alguém querendo pizza de presunto. Ou coisa assim.
- Ah...
- Eu disse que entregava em meia hora.
Dois novos sorrisos. Sarcásticos. Cúmplices.
Os olhos vermelhos tiram do bolso da calça uma folha amassada de papel e jogam contra os outros, que lêem devagar.
- Fazia tanto tempo.
- Fazia, sim.
- Então, qual o plano?
- Não sei ainda. O que você faria no meu lugar? Na minha pele? Se essa pele... se esse estômago... o que?
- Não sei... mas às vezes é tão fácil te ler, sabia?
- Não quero ficar aqui de porta fechada p'ra sempre. Nem fazendo barulho.
- Eu gostava do jeito que era antes.
- Eu também. - e a segunda frase vem numa nuvem de fumaça. Dos olhos, não do cigarro. - Eu também.
Dedos suaves começam a dobrar o bilhete entre lâminas de unhas. Alguém tropeça no corredor. A música continua do lado de fora.
- Você sempre soube fazer essas coisas...
- Vem comigo?
- Dessa vez não.
A brasa na ponta do cigarro faz arabescos no ar enquanto os olhos vermelhos procuram palavras certas. Ou fôlego. Mas não dizem nada. O outro par de olhos começa inutilmente a ganhar alguma cor. A sala ainda está escura demais.
- Que horas são?
- Três. Talvez quatro.
- Volta aqui antes do sol nascer, tá?
O vestido longo ergue-se e flutua até a porta. Antes dos rangidos, joga de volta a pequena folha amarela - Agora, um pequeno barco de papel.
segunda-feira, março 16, 2009
*
dear prudence...
won't you come out to play?
...won't you let me see you smile?
nothing is gonna change my world...
[sobre os fantasmas de natal nenhum
que também me esqueceram esse ano...]
won't you come out to play?
...won't you let me see you smile?
nothing is gonna change my world...
daí
você sai pela noite com sua alma branca
e a camisa sangrando um vinho barato.
você gargalha, canta, dança,
pula suas sete ondas,
toma seu porre, quebra uma taça
e grita loucuras pro alto
com tantas gargantas, meu deus...
[há quantos anos você está aqui?]
a música... a música!
e os jogos antigos,
e a lua nova
tudo espera você surgir com um sorriso.
mas, até amanhecer, você anda pela areia molhada
tirando os dados velhos do bolso
e atirando entre montes de búzios.
porque você não devia andar sozinho no escuro.
porque, até amanhecer, teu acaso acaba
porque vai amanhecer,
e você não viu os fogos na beira da praia.
O soluço das espumas no topo do copo
devia te fazer cócegas no nariz,
mas não faz.
porque você cresceu tanto...
nothing is gonna change my world...
[sobre os fantasmas de natal nenhum
que também me esqueceram esse ano...]
segunda-feira, janeiro 26, 2009
de não-saber
Como eh que se sabe o que é cada coisa?
como eh que se notam as linhas
(da amizade, da vida, do coração...)
entre um gesto e outro?
Quando cada sorriso foge p'ra um lado diferente,
e cada olhar tropeça desajeitado num canto de mesa,
e cada palavra tem mais idéias do que devia...
em quantas linguas a gente precisa dizer que sim?
[ porque, às vezes,
as mãos correm demais pra chegar perto
quando só precisavam ficar paradas.]
como eh que se notam as linhas
(da amizade, da vida, do coração...)
entre um gesto e outro?
Quando cada sorriso foge p'ra um lado diferente,
e cada olhar tropeça desajeitado num canto de mesa,
e cada palavra tem mais idéias do que devia...
em quantas linguas a gente precisa dizer que sim?
[ porque, às vezes,
as mãos correm demais pra chegar perto
quando só precisavam ficar paradas.]
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